Democracia, política e poder
- Lauce Noriyo
- 30 de abr. de 2019
- 6 min de leitura
Ao analisar as características da gestão escolar percebemos que está se dá dentro de processos históricos de disputa pelo poder. O poder ele se expressa nas relações sociais e o ambiente escolar está repleto de relações entre os vários segmentos que compões a estrutura escolar. Segmentos esses que buscam dentro das relações produzidas espaço para expor seus ideais e conceitos que ele carrega consigo. Nessa projeção podemos configurar a gestão escolar como um acontecimento essencialmente político.
Dentro do que propomos investigar é primordial a discussão da natureza política que os conselhos escolares assumem ao conduzirem a gestão escolar local. Isso se evidencia ao verificarmos que essa relação entre democracia, política e poder está intimamente ligada a questão das representações, dos mecanismos de tomada de decisão e principalmente nos valores que justificam muitas posições dos indivíduos como representante de certo segmento institucional.
A cultura política é um repertório que compõe as inclinações, percepções, valores e atitudes que as pessoas comuns possuem em relação ao sistema político. O surgimento de valores que liberam o indivíduo da dominação da autoridade e promovam a possibilidade de escolha humana através do auto expressão, constitui um fator central para entender a democratização.
A cultura política tem um papel fundamental no desempenho democrático e no aprofundamento da democratização. Os conselhos na sua existência são capazes e responsáveis para essa prática. Contudo essa perspectiva depende de bons estoques de confiança interpessoal, solidariedade e cooperação, ou seja, virtudes e práticas republicanas. Outro fator ponderável em relação a cultura política é crescimento socioeconômico sustentável pessoal, este é o promotor central na emancipação dos indivíduos no trato com a autoridade através dos valores de auto expressão. A mobilização cognitiva gerada pela transferência dos valores tradicionais para valores emancipatórios promove e incentiva a liberdade nas escolhas do indivíduo, um tipo de liberdade que de fato é efetiva.
Conforme abordado nos itens anteriores, a gestão democrática propõe um modelo baseado em participação e autonomia. Contudo essa participação carece alguns fatores para sua real efetivação, como já explicitado anteriormente. A autonomia segue o mesmo sentido. Mas os mecanismos colocados a disposição envolvem questões políticas. O interesse das ações políticas é o poder. Os membros dos conselhos escolares ao adentrarem aos conselhos trazem consigo anseios e reinvindicações dos segmentos que representam. Nesse momento o conselho se torna um palco de disputa e dominação.
Teoricamente em termos políticos a divisão do poder não ocorre em parcelas equivalentes entre os segmentos. O poder que em foco que torna a gestão um processo político, em termos democráticos, não é a capacidade da parte que detêm o controle do poder em levar os demais que não possuem o poder a fazerem o que é da sua vontade, e nesse sentido reconhecer a relação como de dominação. O poder aqui mencionado, sobre as égides da democracia, se trata da capacidade de em conjunto com os demais segmentos construir uma vontade comum.
Entretanto para fins dessa pesquisa consideramos o predomínio de duas abordagens predominantes sobre o poder: a funcionalista e a crítica. A corrente funcionalista, segundo Hardy e Clegg (2001), é de cunho gerencialista e procura tratar o poder como um elemento que deve ser suprimido das organizações, por ser reconhecido apenas como um elemento informal, ou seja, estra distribuído na organização e é concedido aos grupos dentro de formatos não oficiais. Trata-se nesse caso de aspecto político das organizações. Essa corrente descarta os interesses divergentes que ocorrem nas organizações e esses são considerados ilegítimos. Já corrente crítica reconhece a existência de conflitos de interesses nas organizações, caracterizando uma resistência dos dominados a dominação.
Iremos considerar algumas abordagens da relação de poder dentro das instituições de ensino para fins desse estudo. As relações de poder, às vezes inconscientes e subliminares, sob a forma do poder simbólico de Bourdieu, outras vezes claramente identificadas, como o poder formal e impessoal, como o poder legal, como o uso da força ou como a influência social, política ou ideológica abordados por Weber, e em alguns casos Foucault, onde o poder concebido em um aspecto que enfatiza o seu exercício, como um conjunto de práticas sociais e discursos construídos historicamente que disciplinam o corpo e a mente de indivíduos e grupos.
Weber (1984, p.43), o conceito de poder é sociologicamente amorfo, havendo uma série de circunstâncias que colocam uma pessoa na posição de impor sua vontade devendo, portanto, o conceito de dominação ser mais preciso: dominação é a probabilidade de que um mandado seja obedecido. Segundo ele, o poder é:
(...) a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens, realize sua vontade própria numa ação comunitária, até mesmo contra a resistência de outros que participam da ação. (Weber, 1982, p.211)
Bourdieu aborda a questão do poder a partir da noção de campo considerando o campo do poder como um "campo de forças" definido em sua estrutura, pelo estado de relação de forças entre formas de poder ou espécies de capital diferentes. E um campo de lutas pelo poder, entre detentores de poderes diferentes; um espaço de jogo, onde agentes e instituições, tendo em comum o fato de possuírem uma quantidade de capital específico (econômico ou cultural
especialmente) suficiente para ocupar posições dominantes no seio de seus respectivos campos, afrontam-se em estratégias destinadas a conservar ou a transformar essa relação de forças (Bourdieu, 1989, p.375). Segundo ele, o poder exercido no Sistema de Ensino é o poder simbólico.
(...) poder invisível que só pode se exercer com a cumplicidade daqueles que não querem saber que a ele se submetem ou mesmo que o exercem. (Bourdieu, 1977, p.31)
Para ele, este poder é quase mágico, na medida em que permite obter o equivalente ao que é obtido pela força, graças ao efeito específico de mobilização.
Foucault (1979) nos aponta caminhos para identificar de que forma os sujeitos atuam sobre os outros sujeitos. Nessa perspectiva o poder não está centrado em uma instituição, para o autor propõe a existência de uma espécie de rede de microfísica do poder articulado ao estado e que atravessa toda a estrutura social. Em suas palavras:
Trata-se (…) de captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações (…) captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam (…) Em outras palavras, captar o poder na extremidade cada vez menos jurídica de seu exercício. (p.182).
Assim Foucault considera o poder como prática social constituída historicamente que está em constante transformação. Esta está em toda parte e não especificamente em uma pessoa ou instituição, mas sim nas relações sociais que existem entre essas pessoas que compõe as instituições. Trazendo para o nosso contexto educacional os conceitos do autor são observáveis por meio da supressão da relação opressor-oprimido com base na autoridade e na obediência e a consideração de movimentos diversos articulados entre gestão, segmentos e comunidade.
No âmbito escolar a disputa política se dá entre grupos rivais que possuem uma compreensão divergentes de educação e estes naturalmente buscam o controle da instituição em prol dos moldes que estes julgam adequados. O poder em destaque escolar parte de um com trato firmado entre as pessoas que constituem essa instituição e considera que o diálogo entre esses sujeitos é necessário para a sua operação, assim sedimentando uma relação de poder talvez democrática.
Contudo as relações que se dão dentro dos conselhos são consubstanciadas a uma democracia formal. Isso é evidenciado conforme Adorno (1998) no pressuposto do ‘’respeito a maioria’’ cujas decisões são tomadas considerando esse pressuposto. Mas esse pressuposto se contradiz a partir do momento que percebemos que a instituição de ensino tem como função promover o diálogo e a emancipação do ser humano. Ao se adotar apenas a regra da maioria se condiciona os processos de gestão a um padrão pré-definido, padronizado, onde as relações políticas e relações de poder predominam sobre o diálogo e a alteridade. Esse aspecto expressa um caráter imposto dos desejos de certos segmentos uma vez que esses possuem a maioria e mesmo em condições de pouca argumentação não abrem mão de seus privilégios, mesmo em condições extremamente controversas. Habermas (1990) discorre que esses mecanismos democráticos, incluindo os conselhos com as suas devidas representações, não refletem a essência da gestão democrática se os indivíduos que o compõe não pautarem as suas ações no diálogo e na alteridade. A força e a imposição fogem a proposta democrática real atendendo somente uma democracia formal que ratifica a imposição de forças hegemônicas locais.
Entramos então na especificidade da formação política dos indivíduos que compõe as representações. Há de retornar ao aspecto histórica da formação dos cidadãos, visto que temos a herança de um patrimonialismo sedimentado e de uma burocracia latente. Nesses moldes, princípios que advém da sociedade, uma vez que as instituições de ensino fazem parte, expressam formas de manutenção e reprodução da societária. Essas heranças realçam grande dificuldade numa formação política apropriada para a gestão democrática. Diretamente os métodos que sustentam a gestão democrática, no nosso caso a criação de processos participativos nos conselhos se restringe e as decisões e posicionamentos ficam comprometidos. Isso traz à tona a necessidade de uma educação política que crie alternativas mais democráticas ao cotidiano escolar, principalmente baseadas na relações de poder que permeiam a instituição.
Em tese a concepção de poder se vincula a ação do estado para exercer este. Contudo em termos de descentralização os representantes da gestão a nível local exercem esse poder. Nesse aspecto Touraine (1996), aborda:
‘’... um conjunto de Garantias para evitar a tomada ou manutenção do poder de determinados dirigentes contra vontade da maioria.’’(p.10)
Touraine (1996) ainda nos traz outro aspecto nessa divisão de poder. No que tange a individualidade e coletivo traz a preocupação destes na sociedade. Ele conclui que não faz sentido opor os interesses da maioria ao das minorias. Nessa democracia denominada social ele busca assegurar que os dominados tenham direito a ação, á influência e ao poder.
Duas questões: 1. Ao utilizar a palavra GESTÃO já não está se referindo à um contexto historicamente definido? 2. Ao aceitar tal palavra quase como um fato dado, não estaria se filiando nas suas pre-disposições? Obs: A palavra gestão no meu entendimento já traz consigo a aceitação do gerenciamento educativo nos moldes do livre mercado e não como um direito fundamental dos povos.