Gestão Democrática e Gestão Participativa
- Lauce Noriyo
- 30 de abr. de 2019
- 8 min de leitura
Considerando que existem objetivos sociopolíticos envolvidos nos espaços educacionais e que persiste a contradição sobre a função que as instituições de ensino devem assumir dentro de uma sociedade fadada a produção e o lucro de poucos. A gestão democrática nos traz um contraponto a situação atual. A luta pela transformação social relata a necessidade de participação de várias camadas da população, principalmente daquela maioria que não é possuidora dos bens materiais, fruto de desigualdades sociais construídas ao longo da história. Com isso as instituições de ensino assumem o caráter de promover a apropriação do saber em vista a promover a essas classes desfavorecidas conhecimento necessário par resistir as formas conservadoras de organização e gestão escolar. Realizar uma gestão democrática não se limite a prática participativa e descentralização do poder, mas como radicalização da democracia, como uma estratégia de superação do autoritarismo, patrimonialismo, do individualismo e das desigualdades sociais. Desigualdades educacionais produzem desigualdades sociais
Nessa continuidade a busca por instrumentos que criem alternativas as quais contribuam para a gestão democrática da educação afirmamos que a participação é o principal meio de assegurar a gestão democrática, pois possibilita o envolvimento de todos integrantes da comunidade tanto no processo de tomada de decisão como em todo funcionamento da instituição. LUCK (2000) reforça essa concepção:
Essa mudança de paradigma é marcada por uma forte tendência à adoção de concepções e práticas interativas, participativas e democráticas, caracterizadas por movimentos dinâmicos e globais, com os quais, para determinar as características de produtos e serviços, interagem dirigentes, funcionários e clientes, ou usuários, estabelecendo alianças, redes e parcerias, na busca de soluções de problemas e alargamento de horizontes.(p.12)
Já Grabowski (2014) afirma:
A gestão democrática pode ser lida por contraste com a gestão hierárquica que, sob a forma paternalista ou autoritária, tem sido e conduzido a coisa pública. A gestão democrática é mais que a exigência de transparência, de impessoalidade e moralidade. Ela expressa tanto a vontade de participação que tem se revelado lá onde a sociedade civil conseguiu se organizar autonomamente, quanto o empenho por reverter a tradição que confunde os espaços públicos com os privados. (p.09)
A participação no processo da gestão escolar tem sido até os dias atuais apenas uma retórica, mas, entretanto, necessária para a gestão denominada democrática, daí também a expressão gestão democrática participativa. O sentido de gestão caracteriza-se pelo reconhecimento da importância da participação consciente e esclarecida das pessoas nas decisões sobre a orientação e manejo de seu trabalho. Está associada ao fortalecimento da ideia de democratização do processo pedagógico, entendida como participação de todos nas decisões e em sua efetivação. (MARTINS, 1999)
Sobre participação, Diaz Bordenave (1994) afirma que:
[...] a participação tem duas bases complementares: uma base afetiva – participamos porque sentimos prazer em fazer coisas com os outros – e uma base instrumental – participamos porque fazer coisas com os outros é mais eficaz e eficiente que fazê-las sozinhos. [...] Essas duas bases - afetiva e instrumental - deveriam equilibrar-se. Porém, às vezes, elas entram em conflito e uma delas passa a sobrepor-se à outra. (p. 16)
A participação carece de uma intervenção de todas as parcelas da comunidade, incluindo docentes, técnicos-administrativas, docentes e a comunidade (pais, sistemas de ensino e representações de industriais). Libâneo (2015) evidencia dois sentidos de participação articulados entre si: o caráter interno e o caráter externo. Em termos internos ele destaca a organização, currículo e práticas pedagógicas e externamente a relação entre docentes, discentes e a comunidade para realização das tomadas de decisão. Essa articulação destaca pelo autor reflete duas ideias, a primeira no sentido de que a escola como comunidade democrática de aprendizagem que se estrutura como competente para tal, já no segundo sentido aborda que esta instituição como tal não pode ser afastada e isolada da realidade social, necessitando do envolvimento da comunidade para adequação para seu crescimento.
Para o nosso estudo levaremos em consideração dois aspectos importantes da participação. Primeiramente se aborda a questão de espaços formais de participação, no nosso caso, os conselhos. Em um segundo momento a questão das representações dentro desses conselhos, uma vez que é pré-requisito para uma gestão democrática, que a representação seja construída de forma a permitir que todos seguimentos consigam manifestar seus ideais e contribuir para a construção dos processos educacionais.
Os conselhos por si só não representam espaços formais de participação e gestão democrática. A necessidade de se constituir conselhos é um primeiro passo para o acesso da comunidade na gestão escolar. A participação como já dito carece de alguns reforços para que ela aconteça de forma efetiva. Por muito tempo os conselhos atuaram de forma consultiva, mas em virtude do histórico de gestão pública aos moldes patrimonialistas, estes assumiram um papel de controle social. A formação desses conselhos deve garantir que esses atuem não somente em reuniões esporádicas e nas tomadas de decisões pontuais. Souza (2009) traz esse aspecto da normatização da participação. As constantes lutas por espaços de participação se tornam tão intensa que por vezes a normatização desses espaços e formas de participação acabam aparelhando-a, dificultando inclusive a própria participação.
O acesso da comunidade deve se dar no dia-a-dia, nas dificuldades cotidianas. A presença constante da comunidade dentro das instituições de ensino possibilita que estes vivenciem as particularidades que cada instituição apresenta em virtude das suas características próprias como a região, perfil dos discentes, dos docentes e da própria instituição. A participação restrita a reuniões de conselhos traduz uma participação conquistada em uma participação formal. A participação em nível escolar, com hora e atividades pré-determinadas não possibilita uma efetiva participação, uma vez que não existe a transferência de poder, assumindo apenas um papel informativo e extremamente formal. Isso se torna extremamente relativizado pois o papel estratégico da participação é contribuir tanto no planejamento, no acompanhamento, na fiscalização, na avaliação e na regulação de todo processo educativo e não somente no momento de tomadas de decisão.
Um ponto a se preocupar no tocante a participação se atém ao fato dos membros que representam certos seguimentos e a formação que esses possuem. Como vivemos em uma sociedade dividida em classes é natural que esses segmentos da sociedade busquem espaço democráticos para firmar posição sobre a sociedade e indivíduos que querem construir. Esse ponto da democracia republicana confere certo temor, visto que as diferenças e pontos de vistas estão bastante difusos e fragmentados. Tal fragmentação não é benéfica, visto que as ações daqueles que têm o poder procedem de forma articulada e unida, enquanto a maioria da população se fragmenta em frações por cobrança de direitos específicos. Diaz Bordenave (1994) condiciona a participação a grande influência da estrutura social. O fato de nossa sociedade ser estratificada em classes sociais superpostas e com interesses às vezes antagônicos nos leva á pergunta se uma estrutura como a nossa favorece a participação.
Atendo-se a questão e conselhos democráticos percebemos que essa fragmentação se mantém. No entanto outro aspecto é relevante no tocante a essa representação. Tem sido observado, com mais frequência do que se pode imaginar, que esses representantes, ou não conhecem seu papel, ou não desenvolveram integralmente a competência para participar e legitimar a vontade de seus pares. Assim, legitimam a sua própria vontade ou dos superiores, sem discordar ou questionar determinações superiores.
Contudo a participação deve estar estruturada em bases conceituais sólidas de educação. A maior preocupação reside no fato de muitos membros da comunidade desconhecerem aspectos importantes da educação. No caso da educação profissional e tecnológica é preciso ter ciência da dualidade histórica que essa modalidade de educação traduz. Paro (2007) relata essa realidade:
A educação para a democracia, porém, não pode reduzir-se a preocupação com a mera formação egoística do consumidor que tem direitos, como dão a entender muitos discursos estereotipados sobre a formação do cidadão, especialmente aquele de origem oficial. Em outras palavras, significa a participação efetiva, pela base, rompendo a verticalidade absoluta dos poderes autoritários. (p.24.)
Nesse contexto retomamos a análise do aspecto participação a partir da representação dos seguimentos dentro dos conselhos. O daqueles que representam é pautado na participação popular, mas na prática se percebe uma inibição da percepção dos sujeitos históricos quanto ao autoritarismo crônico atrelada à própria correlação de forças na busca do poder dentro das instituições. Não podemos afastar a influência de uma hierarquização de classes advindas dos modelos patrimonialistas e burocrático, esse ponto é crucial na analise de uma participação efetiva, posto que representar um segmente significa conduzir e analisar com uma ótica geral e não específica e pessoal. O individualismo em termos de participação não assume uma função primordial, sendo a ideologia pessoal eivada de privilégios e vícios que não cabem em situações democráticas. Esse desvio no que tange a representação se dá em virtude de uma composição social extremamente diversa e a democracia representativa não dá conta de toda essa diversidade. Cada vez mais cidadãos e cidadãs não se sentem representados visto que valores, cultura e história divergem em vários aspectos.
Com isso o sentido do princípio da participação vem indicando que a democracia não tem conseguido se articular a uma concepção que legitime seus valores efetivos, demonstrando uma participação reduzida, restrita, mínima, controlada, regulada, cooptada, suscitando-se posicionamentos difusos, dentre eles aqueles que apregoam que a participação da população não tem sentido, quando parece “[...] que tudo o que há de essencial e substantivo está previamente decidido” (DI GIORGI, 2004, p. 120).
Entende-se a participação como uma categoria histórica construída nas relações sociais, um princípio orientador de ações que precisam ser constantemente retomadas de modo que o homem possa se constituir em sujeito da história, possa fazer a história, mesmo com a percepção de que nessa estrutura social as condições para esse fazer não lhe são dadas a priori, mas precisam ser conquistadas no movimento histórico presente nas relações sociais, políticas e econômicas, ou seja, possibilitadas pelas contradições e mediações presentes numa totalidade social, seguindo uma premissa que leva a Gramsci( 1991), que apresenta a seguinte opção quanto à participação:
[...] é preferível ‘pensar’ sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, ‘participar’ de uma concepção de mundo ‘imposta’ mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos vários grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos [...] ou é preferível elaborar a sua própria concepção de mundo de forma crítica, [...] escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade? (p.12).
Podemos afirmar que influências externas têm mecanizado a participação, entretanto o que se defende é a participação ativa na produção histórica do mundo. E essa possibilidade não nos é dada, ela é conquistada no seio desta sociedade através das contradições e nas mediações existentes no próprio seio dessa sociedade, segundo orientações. Por essa razão, como princípio orientador de todas as ações, a participação, é o vetor que move a gestão democrática. No entanto essa se encontra mascarada pelas lógicas de mercado e pela formalização dos conceitos democráticos para fins equivocados.
Concluindo, no que tange a participação é relevante reforçarmos alguns aspectos. É fato que participação é fator primordial da gestão aos moldes democráticos, contudo é necessário que essa participação seja uma conquista embasada em um forte conhecimento histórico, social, político e econômico. É cabível que a participação por mera representação não alcance os anseios que aqueles que são representados, visto que a democracia não assume o seu sentido real, cabendo apenas uma fração do formal, mas dentro da proposta democrática, essa somente será expressa mediante um cenário de contradições e questionamento, baseado no conhecimento.
No próximo tópico iremos adentrar ao conceito de autonomia, este extremamente vinculado a questão da participação. Uma vez que a participação sem autonomia limita as ações a fatores sem importância e desprovidos de efetividade.
Muito importante a reflexão sobre gestão democrática e participativa. Ser participativo é uma característica pouco comum dos agentes das comunidades escolares, talvez por estar quase sempre envoltos de atividades burocráticas dos registros das atividades, a gestão precisa muito de um retorno continuo da comunidade para poder direcionar suas ações.